As ondas,
as marés e o calor dos oceanos abrigam reservas energéticas inesgotáveis. O
difícil é domesticar essas forças selvagem pata convertê-la de modo eficiente
em eletricidade
As
gigantescas massas de água que cobrem dois terços do planeta constituem o maior
coletor de energia solar imaginável. Os raios solares não apenas aquecem a água
da superfície, como também põem em movimento a maquinaria dos ventos que produz
as ondas. Finalmente, as marés, originadas pela atração lunar, que a cada 12
horas e 25 minutos varrem os litorais, também representam uma tentadora fonte
energética. Em conjunto, a temperatura dos oceanos, as ondas e as marés
poderiam proporcionar muito mais energia do que a humanidade seria capaz de
gastar - hoje ou no futuro, mesmo considerando que o consumo global
simplesmente dobra de dez em dez anos.
O
problema está em como aproveitar essas inesgotáveis reservas. É um desafio à
altura do prêmio, algo comparável ao aproveitamento das fabulosas
possibilidades da fusão nuclear. Apesar das experiências que se sucederam desde
os anos 60, não se desenvolveu ainda uma tecnologia eficaz para a exploração
comercial em grande escala desses tesouros marinhos, como aconteceu com as
usinas hidrelétricas, alimentadas pelas águas represadas dos rios, que fornecem
atualmente 10 por cento da eletricidade consumida no - mundo (no Brasil, 94 por
cento).
A idéia
de extrair a energia acumulada nos oceanos, utilizando a diferença da maré alta
e da maré baixa, até que não é nova. Já no século XII havia na Europa moinhos
submarinos, que eram instalados na entrada de estreitas baías — o fluxo e o
refluxo das águas moviam as pedras de moer. Mas os pioneiros da exploração
moderna das marés foram os habitantes de Husum, pequena ilha alemã no mar do
Norte. Ali, por volta de 1915, os tanques para o cultivo de ostras estavam
ligados ao mar por um canal, onde turbinas moviam um minigerador elétrico
durante a passagem da água das marés; a eletricidade assim produzida era
suficiente para iluminar o povoado. Muito mais tarde, em 1967, os franceses
construíram a primeira central mareomotriz (ou maré motriz, ou maré - elétrica;
ainda não existe um termo oficial em português), ligada à rede nacional de transmissão.
Uma barragem de 750 metros de comprimento, equipada com 24 turbinas, fecha a
foz do rio Rance, na Bretanha, noroeste da França. Com a potência de 240
megawatts (MW), ou 240 mil quilowatts (kW), suficiente para a demanda de uma
cidade com 200 mil habitantes, a usina de Rance é a única no mundo a produzir,
com lucro, eletricidade em quantidade industrial a partir das marés.
O exemplo
francês estimulou os soviéticos em 1968 a instalar perto de Murmansk, no mar de
Barents, Círculo Polar Ártico, uma usina piloto de 20 MW, que serviria de teste
para um projeto colossal, capaz de gerar 100 mil MW, ou oito vezes mais que
ltaipu. A usina exigiria a construção de um gigantesco dique de mais de 100
quilômetros de comprimento. Mas a idéia foi arquivada quando se verificou que
seria economicamente inviável. O desenvolvimento de um novo tipo de turbina,
chamada Straflo (do inglês, straight flow, fluxo direto), permitiu reduzir em
um terço os custos de uma usina mareomotriz.
Os
canadenses foram os primeiros a empregá-la. Em 1984, acionaram uma usina
experimental de 20 MW, instalada na baía de Fundy (na fronteira com os Estados
Unidos, na costa Leste), onde o desnível de 20 metros entre as marés é o maior
do mundo (na usina de Rance, por exemplo, a diferença é de 13,5 metros). Se os
testes forem satisfatórios, até o final do século poderá ser construída na baía
de Fundy uma usina mareomotriz de 5 500 MW. No Brasil, que não prima por marés
de grande desnível, existem três lugares adequados à construção dessas usinas,
relaciona o professor Reyner Rizzo, do Departamento de Oceanografia Física da
Universidade de São Paulo: na foz do rio Mearim, no Maranhão, na foz do
Tocantins, no Pará, e na foz da margem esquerda do Amazonas, no Amapá. "O
impacto ambiental seria mínimo", explica Rizzo, "pois a água
represada pela barragem não inundaria terras novas, apenas aquelas que a
própria maré já cobre."
Mais
surpreendentes ainda são as especulações sobre o aproveitamento energético do
movimento das ondas: em teoria, se fosse possível equipar os litorais do
planeta com conversores energéticos, as centrais elétricas existentes poderiam
ser desativadas.
Basta
pensar que uma onda de 3 metros de altura contém pelo menos 25 kW de energia
por metro de frente. O difícil, talvez impossível, é transformar eficientemente
toda essa energia em eletricidade — os dispositivos desenhados até hoje são em
geral de baixo rendimento. E não é por falta de idéias — desde 1890, somente na
Inglaterra foram concedidas mais de 350 patentes a dispositivos para aquela
finalidade.
A maioria
usa o mesmo princípio: a onda pressiona um corpo oco, comprimindo o ar ou um
líquido que move uma turbina ligada a um gerador. Com esse processo, a central
experimental de Kaimei, uma balsa de 80 por 12 metros, equipada com turbinas
verticais, funciona desde 1979 em frente da costa japonesa, produzindo 2 MW de
potência. Na Noruega, cujo litoral é constantemente fustigado por poderosas
ondas, foi construída em 1985 uma minicentral numa ilha perto da cidade de
Bergen, na costa Oeste. Ao contrário do sistema japonês, o equipamento não
flutua no mar, mas está encravado numa escarpa. Produz 0,5 MW, o suficiente
para abastecer uma vila de cinqüenta casas. A instalação consiste em um
cilindro de concreto, disposto verticalmente num nicho aberto com explosivos na
rocha. A extremidade inferior, submersa, recebe o impacto das ondas, que
comprimem o ar coluna acima no cilindro. O ar, sob pressão, movimenta a
turbina, antes de escapar pela extremidade superior. O movimento rítmico das
ondas assegura que a turbina gere eletricidade sem parar. Mas o projeto mais
original é, sem dúvida, o do engenheiro Stephen Salter, da Universidade de
Edimburgo, na Escócia. Modelos reduzidos dele já foram testados no lago Ness —
aquele mesmo do suposto monstro.
O sistema
chama-se "pato de Salter" (Salter’s cam, em inglês, eixo excêntrico
de Salter; o nome em português vem do fato de o equipamento imitar o movimento
das nadadeiras de um pato). Consiste numa série de flutuadores, semelhantes ao
flap dos aviões, ligados a um eixo paralelo à praia. A parte mais bojuda dos
"patos", enfrenta as ondas, cujo movimento rítmico faz bater os
flutuadores, girando o eixo que aciona a turbina como um pedal de bicicleta,
que só transmite o movimento numa direção. O rendimento desse sistema promete
ser excelente, pois parece capaz de aproveitar 80 por cento da energia das
ondas. É esperar para ver. Quando os preços do petróleo dispararam na década de
70, os americanos chegaram a imaginar que outro sistema, as centrais térmicas
marinhas, oferecesse a saída para a crise energética que ameaçava frear a
economia mundial.
O
pioneiro dessa técnica tinha sido um inventor solitário e voluntarioso, o
francês Georges Claude, que na década de 30 investiu toda a sua considerável
fortuna na construção de uma dessas usinas nas costas brasileiras. Ele aportou
em outubro de 1934 no Rio de Janeiro, a bordo do cargueiro La Tunisie, onde
recebeu as boas - vindas e os votos de boa sorte de ninguém menos que o
presidente Getúlio Vargas. Claude, então com 64 anos de idade, enriquecera com
a invenção, em 1910, do tubo de gás neon para iluminação, mas considerava um
desafio ainda maior a busca de novas fontes de energia. Ele demonstrara que uma
diferença de 18 graus entre a temperatura das águas aquecidas da superfície e
as mais frias da profundidade do oceano era suficiente para movimentar um
sistema fechado no qual a amônia, ou a água, num ambiente de vácuo parcial, se
evapora, movendo uma turbina que gera eletricidade, e volta a se condensar, para
tornar a evaporar, movimentando novamente a turbina e assim por diante. Com
obstinação — e muito dinheiro —, Claude construíra uma usina experimental na
baía de Matanzas, em Cuba. Se o princípio do sistema tinha uma aparência
simples, a sua execução foi extremamente trabalhosa.
Um tubo
precisava trazer a água da superfície do mar para a usina na beira da praia; um
segundo e enorme tubo, de 1 metro de diâmetro e quase 1 quilômetro de
comprimento, sugaria a água do fundo do mar para a unidade de refrigeração.
Claude chegou a montar uma via férrea de 2 quilômetros em direção ao mar para
fazer mergulhar o tubo. Na terceira tentativa, no dia 7 de setembro de 1930, os
cubanos viram finalmente chegar a água à usina, na temperatura de 11 graus, e a
eletricidade começar a ser produzida. Claude instalou depois uma nova usina a
bordo de um navio cargueiro.
Em
alto-mar, raciocinava o inventor, não enfrentaria o problema de trazer o tubo à
praia — ele desceria verticalmente do próprio casco do navio. Com essa tarefa,
o La Tunisie chegou ao Rio de Janeiro. Depois de quatro meses de preparativos,
começou a delicada operação de descer os 800 metros de tubo. Mas o movimento
das ondas impediu a soldagem perfeita de uma das 112 seções — e o projeto
acabou indo água abaixo. Georges Claude morreu arruinado em 1960, sem realizar
seu sonho. A técnica porém sobreviveu, conhecida pela sigla ETM (energia
térmica dos mares), ou OTEC em inglês (ocean thermic energy conversion,
conversão da energia térmica dos oceanos).
O governo
francês voltaria a utilizá-la em 1948, com a construção de uma usina
experimental ao largo de Abidjan, na Costa do Marfim, África Ocidental. O
projeto mais ambicioso até agora foi o da companhia americana Lockheed, no
início dos anos 70, abandonado afinal por razões econômicas. Seria uma
gigantesca central dotada dos recursos tecnológicos de que Claude não dispunha
em sua época: do tamanho de um superpetroleiro de 300 mil toneladas, flutuaria
no mar como um iceberg, no qual apenas a torre de acesso, de 16 metros, estaria
acima da superfície.
Da parte
inferior da estrutura submersa penderiam os tubos — com 500 a 700 metros de
comprimento — para sugar a água fria; pela parte superior, entraria a água
aquecida da superfície um líquido operante de baixo ponto de ebulição (que vira
vapor em temperaturas relativamente baixas), como o amoníaco, o freon ou o propano,
impulsionaria as turbinas. Ainda que o rendimento final fosse irrisório, pois
97 por cento da energia produzida era consumido no próprio processo de bombear
a água de tamanha profundidade, os quatro geradores previstos no projeto
proporcionariam uma potência de 60 MW. Com os preços do petróleo nas nuvens, a
operação então se justificava. Mas quando as cotações desabaram, esse e outros
projetos de conversão de energia térmica dos oceanos foram arquivados. Resta
aguardar a próxima crise energética para saber se a humanidade tentará
novamente aproveitar a imensa generosidade dos mares, com outras tecnologias
cada vez mais avançadas, ou se permanecerão os oceanos para sempre indomáveis.
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